terça-feira, 22 de março de 2011

Como tudo começou

Estava eu em pleno Julho de 2004, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais chamada Imbé de Minas, com mais quase 20 alunos de vários cursos da Universidade PUC/MG, participando do programa UNISOL (Universidade Solidária), programa criado pela Sra. Ruth Cardoso (esposa do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso), que tem como objetivo criar programas/projetos sociais para comunidades carentes de várias cidades do interior do Brasil.
Havia mais ou menos 10 dias que eu tinha perdido, assassinado em Fortaleza, um dos meus melhores amigos da faculdade. Companheiro de jornada, de trabalhos acadêmicos e também grande amigo para as horas difíceis.
Ele tinha apenas 22 anos. Era arrimo de família. Morava numa residência simples. Era responsável, dedicado aos amigos, uma pessoa simplesmente adorável. Junto com ele, eu e a Ana Lúcia (minha amiga carioca) formávamos um grupo, onde todas a tarefas da faculdade eram divididas por nós 3.
Ele era o mais responsável. Nunca faltava à aula. Sempre ligava para mim e para a Ana no outro dia, para dar as instruções da aula anterior.
Lembro como se fosse hoje, quando ele começou a planejar a viagem onde andaria pela primeira vez de avião. Lembro-me dele consultando colegas de classe que trabalhavam em agências de Turismo, verificando as possibilidades e etc. Tinha tudo para ser uma viagem maravilhosa.
Menos de 1 mês antes, tínhamos viajado para Moeda para fazermos um trabalho. Foi uma viagem excepcional! O nosso trabalho ficou maravilhoso, tudo tinha dado certo.
No nosso último dia de aula, (e também a última vez que o vi - 12/06/04), descemos, num sábado depois da aula, a rua da Bahia todinha a pé, conversando, trocando ideias, era dia dos namorados e nós reclamando que não tínhamos nada para fazer, já que não tínhamos namorados na época.
No caminho, passei com ele na Caixa Econômica Federal para ele sacar dinheiro, e já no centro o levei numa loja especializada em fotografias para ele comprar um "filme" para máquina fotográfica dele, que era daquelas Yashica preta, analógica, custava no máximo uns R$ 70 reais na época. (motivo pelo qual foi assassinado)
Ele comprou 2 filmes, nós paramos numa lanchonete, comemos enrolado de salsicha com coca-cola, e depois nos despedimos casualmente.....mal sabendo eu que seria a última vez que o veria.
Enfim chegou o grande dia. Ele viajou. Eu e a Ana comentamos que ele ia voltar metido por causa da viagem.
No meio da semana a qual era suposto ele estar viajando, recebi uma ligação no meu trabalho. Era a Ana Lúcia. Ela me disse que não tinha uma notícia muito boa para me dar, que o Nilmar tinha sido encontrado morto em Fortaleza.
Não sei descrever o que senti.
Quase desisti da viagem acadêmica para Imbé de Minas, mas achei que seria o melhor a fazer para tentar me distrair. Fiz muitos amigos (quase uns 20) entre os que estavam lá, e numa noite, todos reunidos para a reunião diária depois dos trabalhos, onde discutíamos problemas ocorridos no dia, planejamento para o dia posterior, tarefas bem legais onde cada dia um era escolhido para ser o "Rei" ou a "Rainha" e nesse dia todos deviam servir esta pessoa, e no final do dia escrever um cartão para ela e ler na frente de todos. A reunião começou a tomar outro rumo. Começamos um a um falar daquilo que estava nos afligindo e a abrir nossos corações. Foi quando eu disparei, contei a historia do Nilmar e chorei copiosamente.
As atividades, além de levar entretenimento, levavam também informações úteis sobre saúde, entre outras coisas.
Curiosamente, estávamos ensinando para as mulheres de Imbé de Minas como proceder com o auto exame de mama para diagnóstico precoce do câncer de mama.
Um belo dia fui dormir, (um colchão enfileirado do lado do outro no chão de uma escola), coloquei a mão no meu seio esquerdo e levei um susto! Tinha palpável uma bolinha do tamanho de uma bola de gude e dura. Não falei nada para ninguém, mas aquilo me deixou perturbada.
Havia tempos em que eu vinha reclamando "cansaço", "fadiga", "dor nas costas", "íngua na axila", estava pálida, meio russa, andando encurvada.....
Ia a médicos de Clínica Geral e eles diziam que eu estava estressada. Aí me davam remédios para estresse e pronto.
Sempre que podia, eu pedia ao meu irmão Darlesson para fazer massagem na altura do meu ombro, e aquilo me aliviava.
Quando voltei, me lembrei que uns 6 anos antes eu tinha feito uma mamografia que tinha acusado a presença de um pequeno nódulo, mas o médico disse que não era nada e eu até joguei o exame fora.
Assim que cheguei, marquei um ginecologista. Acreditem se quiser: Até então eu não sabia da profissão "mastologista". Santa ignorância!
Assim que o ginecologista apalpou me fez um encaminhamento para o Mastologista. Eu chorei na frente dele.
Tá, vamos lá, a escolha do mastologista:
Eu tinha um plano de saúde empresarial da Unimed, anterior a Lei de 1.998 (1)(depois saberão o porque desta informação). Abri o livro da Unimed e escolhi o médico mais próximo da minha faculdade: Dr. Rubens Marx Gonzaga.
Na primeira consulta, ele pegou uma agulha "fina" (2)(isto também é importante e devo explicar depois) e fez uma punção no nódulo, ali mesmo, no consultório, sem nenhum tipo de preparo, e me mandou levar para análise.
Quando o resultado ficou pronto, deu que não era nada, que era um tumor benigno. Ele me mandou pra casa e pediu que eu voltasse 6 meses depois, início de 2005.
Quando voltei, ele apalpou a minha mama, e já sabia o que era, e ao invés de pedir uma biópsia de "agulha grossa" ou "cirúrgica", de cara marcou uma cirurgia para retirada do nódulo em Fevereiro de 2005.
Fui para a cirurgia, e eu como turismóloga, não sabia ainda que para qualquer cirurgia, o ser humano deve ser submetido a uma série de pré-testes denominados "Risco Cirúrgico" do qual o Sr. Rubens Marx Gonzaga não me solicitou. Me operou sem qualquer pré-exame.
Quando voltou da sala de cirurgia (isto só fiquei sabendo meses depois) ele foi até a minha mãe e disse: "Não é boa coisa não" e pediu para encaminhar para análise.
Vi que minha mãe começou a me paparicar demais da conta, sô! E no dia do meu aniversário, apareceu um monte de amigos da faculdade, do qual eu tinha viajado para Imbé.
Voltei ao consultório no dia 04 de março de 2005, e as palavras que o médico usou para me dar o diagnóstico foram as seguintes: "Você deu azar, você esta com câncer", assim! Na lata!
A primeira coisa que veio a minha mente foi uma garota que quase 15 anos antes, na minha adolescência tinha falecido de câncer de mama na escola.
Lembro-me dela e de todo o processo de quando eu ia trabalhar, no ônibus de manhã, ela e a mãe dela indo para o médico. Lembro de quando ela perdeu os cabelos, lembro de quando perdeu os seios, lembro que foi ficando debilitada, mesmo assim eu a encontrava nas danceterias matutinas que eu ia, dançando com sua peruca e uma faixa na cabeça. Toda feliz da vida! Cheia de sorrisos.....parecia que não tinha nada.
Então caiu a ficha: "eu vou morrer também"....
Daí o médico marcou nova cirurgia para retirada da mama toda (3)(chama-se masectomia) e (4)esvaziamento da axila. Todo ser humano tem (5)linfonodos que ficam na axila e que interligam a mama ao pescoço interiormente. Tanto homem como mulher. Homem também pode ter câncer de mama, acredite se quiser, mas é sério.
Minha família enlouqueceu!
Então minha irmã conversou com sua ginecologista que abriu o "bico" sobre o tal médico Dr. Rubens Marx Gonzaga. Ele tinha um processo nas costas, de São Paulo, onde uma menina tinha morrido por diagnóstico errado de câncer de mama. Então ela indicou um outro mastologista.
Marquei consulta com ele, e perguntei sobre o tal médico. Ele não teve coragem de abrir o bico por causa da ética médica, mas me disse que no meu caso agiria diferente: que só tiraria todos os nódulos das duas mamas e uma margem de segurança da cirurgia prévia do outro medico, mas preservaria o restante do seio e não esvaziaria a axila.
Polêmica: Todo mundo, avó, tia, mãe, irmã, começaram a me pressionar para trocar de médico. Eu comecei a enlouquecer com tanta pressão e sem saber o que fazer.
Um dia, de tarde, desliguei o meu celular (porque elas não paravam de me ligar) e fui parar no consultório do novo médico, sem avisar, cheguei nervosa, chorando, falei para a recepcionista ligar pra ele e avisar que eu estava lá. Ele conversou comigo pelo telefone, pediu para eu me acalmar e que voltasse na sexta.
Eu disse: "Não precisa falar mal do outro médico! Mas me fala se o que ele está fazendo é o melhor pra mim, etc, etc." Então ele me explicou um monte de coisas sobre a mama e o câncer de mama, e eu fui embora.
Na véspera da segunda cirurgia marcada pelo primeiro médico, sem risco cirúrgico nem nada, eu fui dormir e pedi a Deus que me iluminasse, que para quando eu acordasse eu soubesse exatamente o que fazer.
Amanheceu. Horas antes da cirurgia liguei para o primeiro médico e perguntei: "porque vai fazer assim?" Aí, pela primeira vez! Ele me explicou coisas sobre a mama e o câncer de mama, e mencionou que estava querendo usar o meu caso como estudo de um seminário de que iria participar.(queria me fazer de cobaia!)
Liguei para o segundo médico, e disse a mesma coisa: "porque vai fazer assim?" ele explicou que ia tentar me preservar o máximo possível, fazendo uma cirurgia para retirada dos nódulos e do tumor, mas que não fosse tão evasiva, porque não tinha necessidade, etc.
Não fui para a cirurgia. Nem liguei para cancelar. Marquei com o segundo médico, compareci novamente no consultório, foi quando eu descobri sobre o *risco cirúrgico.
Ele retirou todos os nódulos da mama direita e esquerda, e a margem de segurança onde tinha sido retirado o tumor de quase 2cm na mama esquerda. Esta foi a minha segunda cirurgia, em Março de 2005.
Em Abril, passei por mais um procedimento cirúrgico, onde o médico compareceu no hospital com um patologista, abriu a minha axila esquerda, retirou 2 linfonodos e o patologista analisou enquanto a minha axila ainda estava aberta, pois se tivessem contaminados, o meu médico retiraria todos os linfonodos. Mas não estavam contaminados.
O Matologista me encaminhou para um Oncologista, que me iniciaria no tratamento de quimioterapia, e para minha surpresa, o plano de saúde não cobria, pois tinha sido feito pela empresa antes da Lei de 1998, que obriga todos os planos de saúde a cobrirem quimioterapia. Tive que ir para o SUS, que demorou uns 3 meses para liberar o processo.
Coisa de maluco quando cheguei no Hospital Mario Penna. Parecia que metade de BH tinha câncer. Era um fervilhão de gente! Gente com a cabeça aberta saindo secreção, gente sem um lado da boca, todo arrancado por tumor na boca, parecia a visão do inferno! Nossa! Quase morri de tédio! Um horror!!!!!!!!!
Comecei a fazer quimioterapia e 20 dias depois meu cabelo caiu todinho. Tem vários tipos de quimioterapia, tem umas que o cabelo não cai, mas esta que fiz chama-se FAC (é uma mistura de Fluorouracil+Doxorrubicina+Ciclofosfamida) intravenoso, no qual uma dessas tem a coloração vermelha e na hora que é injetada você sente o seu braço queimando e as veias pulsarem e doerem, e vem de imediato o enjoo. Eu tomei trauma! Não podia ver nada de tomar na cor vermelha, por exemplo: suco, gatorade, nada! Era só ver a big injeção com a cor vermelha que já puxava o cesto de lixo para perto e colocava até as tripas pra fora. Minha foto careca em 2005, junto com a minha irmã Darleise e meu irmão Darlesson.



A empresa para qual eu trabalhava na época: Editora LE, me chamou, disse que eu não estava dando conta do serviço que era para eu desocupar minha mesa, colocou uma nova funcionária no meu lugar, e me deixou lá, assim, à deriva, sem mesa, sem fazer nada (já que não podiam me mandar embora). Um dia entrei dentro do banheiro e chorei escondida, mas mantive minha cabeça erguida. Percebi então que eu já não era mais útil para a empresa, decidi finalmente parar de trabalhar e tirei uma Licença Médica.
Ficava em casa o dia inteiro! Mas foi um período tranquilo, apesar de passar muito mal (teve dias em que vomitei 9 vezes).
Tinha um cachorrinho que apelidamos de Kibe que me fazia companhia, ele tinha sido muito maltratado antes de ir la pra casa, entao era todo temperamental.
Se ficava com depressão nao comia ração nem a pau, aí eu comprava pão com requeijão e dava na boca dele, aí ele fazia as pazes.....kkkkkk
Ele era louco por mim! Lembro dele dar pulos gigantes para tentar alcançar a minha janela quando eu acordava para tentar me ver.
Quando eu saia e estava chegando em casa, minha mãe me contava que eu ainda estava na esquina e ele todo doido na porta me esperando.
Outra coisa boba que fiz um dia, mas que jamais vou esquecer: Fui para o quintal na parte dos fundos da casa e e comecei a acompanhar a jornada de um bando de formigas levando somente certos tipos de folhas para um buraco distante na parede (falta do que fazer, eu sei), mas foi tão legal! E tão interessante, como um ser pequenino como aquele pode ser tão organizado! E como era legal vê-las trabalhando incansavelmente em equipe e blablabla. Só mesmo quem ja fez para saber.
Eu sentia uma coisa que não era fome, mas era uma necessidade desenfreada de consumir energia. Então eu comia pão de forma com requeijão, miojo (tinha que ser 2, senão não me sustentava).
E ficava em casa sozinha, esperando minha mãe chegar do trabalho para cuidar de mim.
Nesse meio tempo, reencontrei uma antiga amiga Cristiane Chaves que me pediu para enviar-lhe o meu currículo. Eu disse: "Você tá doida? Não tá vendo que estou em tratamento?" e ela me disse: "Seja o que Deus quiser". Mandei.
De imediato entraram em contato comigo e me chamaram para uma entrevista.
2hs antes da entrevista, fui na Galeria do Ouvidor e comprei uma peruca. Não para mentir sobre o que estava acontecendo, porque a empresa já sabia, só para não deixar as pessoas chocadas.
Gostaram muito de mim na entrevista, me disseram até que tinha medo que eu ficasse insatisfeita com o trabalho, pois era muito qualificada para o cargo (chic, né?) e leu para mim a indicação que minha amiga Cris fez no meu currículo: "por ela eu ponho a minha mão no fogo, e meu emprego em jogo". Jamais esqueci desta frase.
Fui contratada! Descobri um remédio que bloqueava o vômito, comprei, pedi demissão da antiga empresa sem dar maiores satisfações e comecei a trabalhar, de peruca, fazendo quimioterapia.
Às vezes, a peruca esquentava minha cabeça, eu ia no banheiro e tirava um pouco para dar uma refrescada. kkkkkk!
Lá eu fiz grandes amigos, os quais mantenho contato até hoje, que são muito importantes para mim.
Eu tive uma sorte porque minha mãe tinha condições de manter o meu padrão alimentar bem diversificado, e isto ajudou a me fortalecer, porque as coisas são especiais e são muito caras. Eu via muita gente no Mario Penna, magrinha, e que não tinha condições de ter acesso às coisas que eu tinha, e que tinham que se contentar com uma fraca sopinha.
Eu tinha direto: Gatorade, água de coco, suco Mais, alimentação diversificadíssima e rica em frutas e legumes, isto me dava mais ânimo e não me deixava com baixa imunidade.
Continuei a fazer faculdade, não parei um período sequer. Tive que brigar e ir até a vice-reitoria por causa de uma professora injusta e sem coração, que me reprovou por falta, por não querer reconhecer meus atestados médicos. Então procurei saber dos meus direitos como estudante, e os coloquei para funcionar. Toda vez que eu fazia quimioterapia, tinha o direito de ficar 14 dias em casa, recebendo atividades escolares e provas por e-mail, sem comparecer à aula. Validava os atestados e pronto! Tudo certo.
Continua....

Um comentário:

  1. Virei sempre aqui. Pra ver se sua coragem cola em mim. hehehehe
    Um abraço, Mônica.

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